Por Redação O Sul | 5 de agosto de 2020
A 16ª Vara Cível de Porto Alegre condenou o banco Santander a indenizar um cliente em R$ 20 mil por danos morais, em um caso considerado pela Justiça gaúcha como racismo. O processo foi movido por um homem negro que relatou ter sido barrado de forma constrangedora na porta giratória de uma agência onde pretendia desbloquear um cartão e sacar dinheiro.
Ele disse que tentou ingressar no estabelecimento como as demais pessoas, inclusive deixando o telefone celular, molho de chaves e outros objetos no compartimento paralelo. Cumprindo esse protocolo, porém, os guardas encarregados da segurança interna o retiveram e humilharam diante de outros clientes e funcionários.
Os vigias exigiram que ele retirasse os sapatos, a fim de comprovar que não portava uma arma branca (faca, soco-inglês ou similar). A sua esposa também foi obrigada a ficar descalça. “Alegando que a postura foi motivada por preconceito racial”, acionou um advogado e apresentou pedido de compensação financeira de R$ 20 mil por danos morais.
Em sua defesa, o Santander argumentou que os profissionais de segurança efetuaram na ocasião um atendimento de praxe. Também alegou que um dos funcionários do banco se dirigiu até a parte exterior da agência para verificar o serviço procurado pelo autor da ação e que não houve qualquer ato preconceituoso.
A respeito do incidente do constrangimento causado pela retirada dos sapatos, a versão da empresa é de que partiu do cliente a iniciativa, de forma espontânea, sendo autorizado a entrar na agência aproximadamente um minuto depois, já devivamente calçado.
Considerações do juiz
Na decisão favorável ao autor da ação, o juiz João Ricardo dos Santos Costa assinalou que o vídeo anexado ao processo confirma que o autor foi barrado na porta giratória e que vestia apenas meias ao receber atendimento. Ele teria permanecido descalço no interior da agência por um período superior a dois minutos, antes de ser autorizado a pegar o par de sapatos.
Ainda conforme o magistrado, a simples abordagem em porta giratória não caracteriza dano moral, pois consiste em um dos aspectos do aparato de segurança desse tipo de estabelecimento. O mesmo não se pode dizer, porém, sobre a atuação dos profissionais responsáveis pela segurança, que não foi pautada por critérios razoáveis.
“No caso dos autos restou comprovada a desídia e demora dos funcionários do banco para resolverem a situação vexatória que se sucedia, demonstrando que houve nítido excesso e precipitação ao colocarem o autor para entrar e ser atendido na plataforma do banco apenas de meias, isso tudo perante os demais clientes e funcionários da instituição bancária”, sublinhou.
Para o magistrado da 16ª Vara Cível da capital gaúcha, houve falha na prestação do serviço e os funcionários se mostraram despreparados para lidar com a situação, causando profundo constrangimento ao cliente. Santos Costa acrescenta que o vídeo não revela apenas uma falha na prestação do serviço bancário:
“As imagens expõem o racismo estrutural que macula a sociedade brasileira. Uma realidade histórica que é inevitável desconsiderar na análise de um processo, como o presente, até porque a questão racial está pautada no pedido. Os fatos aqui analisados ocorreram no seio de uma sociedade que está estruturalmente organizada com base em uma lógica naturalizada de segregação. O jurista e filósofo Silvio Almeida denuncia o racismo estrutural como um fenômeno que se revela na ideologia, na política, na economia e no direito”.
(Marcello Campos)