O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), qualificou o sistema criminal brasileiro como “injusto e desigual” para a população menos abastada e “leniente com os poderosos”. A avaliação foi feita em ofício encaminhado por Fachin na sexta-feira, 11, ao novo presidente do STF, ministro Luiz Fux, com estatísticas referentes à operação Lava Jato. Fachin é relator dos processos na Corte. No ofício, Fachin cita dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para corroborar sua visão. De cerca de 800 mil presos, conforme o ministro, “é a pobreza que está no cárcere; dos quase 35% dos presos sobre os quais há informação sobre escolaridade, 99% possuem apenas até o ensino médio incompleto, sendo expressiva a quantidade de analfabetos e aqueles somente com nível fundamental”.

No mesmo documento encaminhado ao novo presidente da Corte, Fachin disse que os trabalhos da Lava Jato no STF são  pautados “pela legalidade constitucional e vão de encontro à renitente garantia da impunidade que teima em fazer a viagem redonda da corrupção”. Antes, no início do documento, o ministro frisou que a ‘ineficiência da Justiça dá mais incentivos à corrupção e à cooptação de instituições, criando indesejado ambiente em que a falta de isonomia propicia o incremento da pobreza’. “Roberto Gargarella bem sublinha que a impunidade é outra face da desigualdade. Sem eficiência não há justiça, nem igualdade”, escreveu.

Nessa linha, Fachin defendeu que o trabalho de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro deve ser visto como um ‘esforço de aprimoramento da jurisdição e por maior eficiência’ que é fruto de ‘uma histórica demanda por mais eficiência na justiça e por maior qualidade na prestação de serviços públicos’ “Eficiência e qualidade que necessariamente respeitem o contraditório, o direito de defesa, o devido processo legal”, ponderou o relator. Fachin afirma ainda que “a raça também é um ingrediente da seletividade punitiva: as pessoas presas de cor preta e parda totalizam 63,6% da população carcerária nacional, consoante dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de junho de 2017”. “E o mais grave: apenas 1,43% dos presos responde por crimes contra a Administração Pública. Por aí, Senhor Presidente, consoante é consabido, se percebe com nitidez quem é, tradicionalmente, infenso à lei penal”, acrescentou Fachin na mensagem a Fux.

Os relatórios estatísticos a respeito da Lava Jato encaminhados por Fachin informam que, atualmente, existem 32 inquéritos sob sua relatoria. Desde o início da operação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu denúncia em 29 deles, enquanto a Segunda Turma do STF examinou 20.Das denúncias, 11 foram recebidas, oito rejeitadas e uma foi declarada extinta. Outros sete inquéritos estão em fase de processamento. Cinco ações penais foram julgadas pela segunda turma do STF. Houve uma condenação.

As ponderações do relator da Lava Jato no STF se dão em um momento de reveses para a operação, que viu a debandada de nomes importantes nas forças-tarefas de Curitiba e São Paulo, protagonizou embates com a Procuradoria-Geral da República em razão dos dados das investigações, sofreu com a indecisão sobre a prorrogação de seus trabalhos e briga no Supremo pela continuação de parte de suas investigações, como no caso do senador José Serra. Muitos desses temas chegaram à corte máxima, que deve decidir sobre aspectos importantes sobre os futuros rumos da operação.

*Com Estadão Conteúdo