Em Porto Alegre, manifestações começaram meses antes da onda que tomou conta do país. Matheus Gomes, que na época era líder estudantil, foi eleito vereador de Porto Alegre e deputado estadual pelo PSOL.

Se os protestos de 2013 transformaram a vida política recente do Brasil a partir de junho, o processo começou meses antes em Porto Alegre. Desde março daquele ano, manifestantes se reuniram na capital do RS para demonstrar contrariedade ao aumento da passagem de ônibus, no que se tornaria uma onda em outras cidades do Brasil nos meses seguintes.

Um dos organizadores destes primeiros protestos, que ficaram marcados por alcançar a redução do valor das passagens de R$ 3,05 para R$ 2,85 (os famosos “20 centavos”) e, posteriormente, para R$ 2,80, foi Matheus Gomes, na época um líder estudantil de 21 anos.

“Foi a mobilização mais importante que participei. Certamente mudou minha vida e minha trajetória política”, diz o atual deputado estadual do RS pelo PSOL, agora com 31 anos. Neste meio tempo, ele ainda cumpriu dois anos de mandato como vereador de Porto Alegre.

Em 2013, Matheus Gomes era coordenador-geral do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do RS (UFRGS), militava no movimento negro e era membro da comissão de organização dos protestos do Bloco de Luta pelo Transporte Público, grupo que reuniu dezenas de movimentos sociais e tomou a responsabilidade de organizar as manifestações em Porto Alegre.

“Eu era estudante de História e só tinha visto aquilo que vivemos em livros, em documentários. Em certa medida, eu esperava algum dia viver aquele movimento, mas não naquele momento. Fiquei com a sensação de estar vendo a história acontecer”, relembra.

De acordo com o atual deputado estadual, o principal acontecimento antes das manifestações contra o aumento da passagem havia acontecido em 2012, quando um boneco do mascote da Copa do Mundo foi derrubado no Centro de Porto Alegre.

Se os primeiros movimentos reuniram poucas centenas de pessoas, com o passar das semanas as ações de rua e os encontros para organizá-las começaram a tomar corpo – Matheus lembra que havia assembleias que reuniam mais de mil pessoas para definir as pautas dos protestos.

“Era um processo horizontal, de muito choque de ideias, com uma visão de democracia participativa. Tínhamos muito essa crítica ao regime político do país, a lógica dos acordos que permeava o Congresso, queríamos fazer diferente com ação prática, com uma democracia de fato direta”, conta.

O auge deste movimento foi em julho, quando centenas de manifestantes ocuparam a Câmara de Vereadores de Porto Alegre por oito dias para reivindicar a implementação do passe livre para estudantes, desempregados e idosos, além da abertura das contas das empresas de transporte. O grupo deixou o prédio após o projeto ser pautado para votação.

Para Matheus, os protestos daquele ano podem ser divididos em três momentos:

“O primeiro, quando fizemos movimentos com pautas bem definidas: defesa do transporte público, com viés de democratizá-lo, e ampliar direitos sociais, uma pauta que sempre esteve ligada à esquerda. Quando há uma repressão gigantesca em São Paulo e em Porto Alegre, gera uma repercussão e abre o segundo momento, que é de solidariedade contra isso e a pauta ganha apoio de milhares. É quando cai o preço da tarifa em centenas de cidades”, explica.

Para ele, o terceiro momento se dá a partir da conquista deste objetivo inicial. Se, em São Paulo, o Movimento Passe Livre decide deixar as ruas e abre espaço para que os protestos sejam pautados por outros grupos, o Bloco de Luta pelo Transporte Público mantém as manifestações em Porto Alegre e decide “disputar a pauta”.

“Decidimos continuar na rua e disputar a pauta. Entram outros sujeitos nas manifestações, que colocavam a pauta da corrupção como central no Brasil, além de outros movimentos de direita que já existiam e outras milhões de pessoas que nunca tinham participado desse processo e buscavam um sentido. A mídia começa a virar, diz que o centro era algo ético, contra a corrupção, e não algo ligado ao poder econômico e político do Brasil. E aí muda o perfil das manifestações”, aponta.

Como um dos organizadores do movimento que tomaria o Brasil e, a rigor, transforma a história nacional a partir daquele momento, Matheus diz que lida com “um misto de sentimentos” 10 anos depois.

“Tenho um misto de sentimentos sobre junho de 2013: orgulho de ter sido um dos iniciadores, frustração por não ter levado para o caminho que planejamos inicialmente. Mas também não acho que somos responsáveis por essa situação, tem muitos outros agentes no meio desse processo”, diz.

Para ele, aquele momento serviu para catalisar uma série de movimentos de esquerda que deram sequência às reivindicações que ele e seus parceiros de discussão tentavam pautar à época, mas trouxe também grupos do extremo oposto no espectro político:

“Libera uma energia de manifestações de esquerda que crescem, muita luta estudantil, greve de transporte público, ocupações por moradia, movimento negro revigorado, mas também libera energia de mobilização à direita, conservadora, até de gente que defende golpe militar. E o bolsonarismo cresce nesta esteira, assim como grupos liberais”, conclui:
“Eu queria uma transformação diferente da que ocorreu no Brasil. Cumprimos um papel muito importante, mas vimos uma série de processos políticos no país que não estavam de acordo com o que a gente começou a construir no início das manifestações.”

 

 

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